Desde a antiguidade, remontando aos mais antigos filósofos, se discute se os nomes são por natureza ou por conveniência, isto é, por mera concordância entre os homens, que como que dizem: “Sim, vamos chamar este objeto de ‘cadeira’.”
Hoje em dia acreditamos, sem nem piscar, que os nomes são por conveniência apenas. Ninguém acreditaria que o nome “árvore” fosse o nome verdadeiro dado àqueles entes simpáticos e conservadoramente estáticos que nos dão sombra, frescor e porventura frutos. É só um nome que alguém sugeriu, em tempos imemoriais, numa península avançada a oeste da Europa, e que os outros habitantes dali foram aceitando, certo?
Aliás, o que seria um nome verdadeiro? Quem poderia definir isso?
Bem, a verdade é que podemos definir, se abandonarmos, ao menos por ora, um pouco do nosso ceticismo metodológico, que duvida de tudo que tenha um sentido para além deste mundo. Pois, senão, vejamos. O que o leitor diria se criássemos a hipótese de que o nome verdadeiro das coisas tivesse sido dado na origem dos tempos, seja por Deus, seja pelo primeiro homem?
E se disséssemos que o nome verdadeiro é aquele que Adão deu às coisas no Paraíso, enquanto, diz a tradição teológica, gozava de uma inteligência mais límpida e cristalina que a nossa à ação do Espírito Santo? E se o nome que Adão deu a essas coisas lhe tivesse sido sugerido ao ouvido – não tão mouco quanto o nosso devido ao pecado – pelo Espírito Santo e fosse o nome que estava na mente de Deus?
O leitor diria, nessas condições, que é impossível existirem nomes verdadeiros? O nome que está na mente de Deus desde a eternidade não mereceria o nome de… verdadeiro?
Bem, como dissemos, abandonado um tanto o ceticismo hipermoderno, eis que a realidade dos nomes verdadeiros está, não só posta, mas provada. Se Deus é, então existem nomes verdadeiros, ainda que possamos não conhecê-los nem jamais tê-los conhecido.
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É fato que resta por provar que algum homem alguma vez ouviu esses nomes do Alto, e os teve guardados na memória. Bem, quanto a isso, de fato, podemos lançar a hipótese e trazer em nosso auxilio o testemunho das Escrituras Sacras de nossa religião.
A título de construções hipotéticas, porém, podemos avançar um tantinho mais, se o leitor for capaz de se manter ainda por mais um tempo distante do ceticismo que mata a inteligência das coisas superiores.
Pois bem. Se Deus é e nos criou, não é absurdo imaginar que nos criou por querer, não por acidente, e, nos querendo, nos cuida, nos tem em alto preço, malgrado a rebeldia com que O tratamos. Ótimo! Se assim é, se Deus nos criou, se nos cuida, e, mais, se nos deu a habilidade única de discursar com consciência sobre aspectos objetivos da realidade, e não só para exprimir nossos desejos mais materialistas, então Ele nos deu a habilidade da fala como dom próprio nosso. Tanto concordamos? Até aqui, não é dizer nada muito diferente do que os filósofos pagãos de maior envergadura disseram, a saber: que o homem é o animal racional e o animal que fala, sendo a fala o sinal mais evidente de sua racionalidade.
Se tudo que dissemos é verdade, então concordamos que, antes de nos mostrarmos os rebeldes ingratos que somos, Deus muito bem nos pode ter revelado, isto é, ao nosso pai ancestral e primeiro rebelde, os nomes verdadeiros da coisas por meio do sopro do Seu Espírito.
Em outras palavras, não é impossível e, nos termos postos, é até verossímil, que tudo se tenha passado assim.
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Tudo isso é surpreendente, uma vez que estamos acostumados a diminuir tudo ao nível da convenção humana. Sim, tantas línguas há que, do ponto de vista do empirismo, é claro que não podemos chegar a outra conclusão. Esse não é o único modo raciocinar, ainda que seja o único sancionado pela atual ciência. Porém, do ponto de vista da lógica, a mera multiplicidade das línguas está longe de provar que não existe uma língua original e, nos termos propostos, verdadeira. Seria como dizer que, por haver muitas galinhas, não pode ter existido a primeira galinha nem pode existir a possibilidade de existirem galinhas.
Porém, antes de terminar este arrazoado, ainda podemos aduzir um argumento de tipo analógico-simbólico. Sim, é necessário – novamente, apesar da ciência atual – que a possibilidade anteceda a factualidade neste nosso mundo. Assim, antes de haver galinhas, é preciso ser possível haver galinhas. Isso é por lógica mesmo. Neste sentido, o Verbo Divino, escondido ainda na Mente Divina, preexiste às coisas; e, por meio d’Ele, tudo vem a ser, quando Deus o pronuncia. Cristo é, assim, o alpha e o omega, pois estava, antes do mundo, na Mente de Deus, e voltará após este mundo deixar de ser como é para julgá-lo.
Em Cristo está, pois, a linguagem original e verdadeira que, por nossos pecados, já não sabemos pronunciar. Dizem alguns que o hebraico antigo seria o mais próximo dessa língua, mas, é claro, ninguém o pode comprovar.
O que é certo é que, sendo a fala o ato que mais nos caracteriza, não se duvide que dizer os nomes verdadeiros é, para nós, fonte de imenso gozo espiritual, ao qual, provavelmente, só teremos de novo acesso, por Graça, no mundo depois deste.
Que livros sobre esse tema abordado no artigo vocês indicam?? Gostei bastante desse tema a respeito dos nomes. Estou no processo de leitura do diálogo de Platão, Crátilo. Abraço.
Comece pelo Crátilo mesmo. Essa é a obra chave para essa discussão, a mais importante. Só ela já vai dar muito pano para manga. Depois, existe um comentário de Proclo ao Crátilo que é difícil de achar; você provavelmente não encontrará uma tradução em português. Mas seria a continuação lógica.
Pelas escrituras, Deus atribuiu ao homem a faculdade de nomear tudo o que existe. É por isso, que em todos os países e rincões as coisas e animais têm o mesmo nome. A origem é comum, independente do local, do idioma ou dialeto. Por exemplo, a China tem 56 etnias, 2 idiomas e mais de mil dialetos e , mesmo assim, lá , as coisas têm o mesmo nome. Em síntese, a fé corporifica a lógica .
São Tomás de Aquino fez uma analogia entre o tema em sua obra “Summa Theologica”, questão 13, artigo 1, sobre o ato de Adão dar nome às coisas. Segundo ele, “Adão deu nome às coisas segundo sua natureza, e não segundo sua própria vontade ou convenção. Isso mostra que a linguagem deve ser baseada na natureza das coisas, e não apenas em convenção humana.” Além disso, essa abordagem requer abrir mão do ceticismo metodológico e se abrir à metafísica.