A vida intelectual é a vida interior por excelência. De aprimoramento interior? Sim, mas dizer isso é sempre se mostrar um pouco pretensioso. O homem que põe sua fé no intelecto como modo de viver, por força põe sua fé na investigação antes do que em qualquer outra atividade. Mais do que se aprimorar, quer saber como as coisas são.
Assim, a vida intelectual e de estudos é aquela que investiga o ser das coisas, a começar pelo próprio ser que se é. O estudioso tem, portanto, profundo respeito pela estrutura das coisas criadas e, se tiver desde cedo um tantinho de bom-senso, um respeito ainda mais profundo pelo criador de todas as coisas, mesmo que saiba de início muito pouco sobre Ele.
As implicações disso são vastas e portentosas. Podemos começar dizendo que todo caminho de vida que se escolha implica em ganhos e perdas significativos. Dito assim, fica fácil perceber o que acarreta a dedicação à mente, às ideias, aos pensamentos, ao que se passa no interior do homem: perdas grandes no âmbito exterior, da ação, da produção e do lucro.
Em uma palavra: faz-se o sacrifício dessas coisas pelo bem das coisas interiores.
Não deveria admirar que assim seja, embora num país como o nosso, nunca deixemos de nos espantar com os tantos casos de pessoas que, num primeiro momento, juram entregar-se de corpo e alma aos estudos desinteressados e que, logo em seguida, à primeira dificuldade ou crítica, caem abatidos ou mostram-se interessados até demais em levantar uma moeda federal.
A vida intelectual pode-se comparar à busca dos alquimistas. Nos livros destes, fica claro haver uma barreira inicial, que poucos aprendizes, no entanto, são capazes de galgar. É que todo alquimista bem sucedido, ao que parece, faz troça dos que chama de queimadores de carvão, que gastam todo o tempo livre e toda a sua poupança em procurar a fórmula material para tornar chumbo em ouro.
Moral da história: querendo ficar ricos facilmente, ficam ainda mais pobres do que já eram. A fórmula da alquimia não é fórmula material. Igualmente, a vida intelectual séria não são para o acúmulo de dinheiro.
Aí entram os coaches. O coach é, tipicamente, um sujeito de índole empresarial que pode, acidentalmente, ter esbarrado em uma oportunidade de negócios na área intelectual e deu o bote. Ora, atualmente esta oportunidade está justamente em incutir na mente de pessoas perdidas na vida a ideia de que se pode ser um intelectual e um milionário ao mesmo tempo, na mesma vida. Aliás, nem isso: deve-se ser assim, pois a prova das boas ideias são os seguidores e o dinheiro que sai do bolso deles para o seu (no caso, o do coach).
Não é preciso dizer que isso não acontece, que ser capaz de ler Shakespeare ou Platão no original não vai render milhões a ninguém. Resume-se assim a coisa: se há um anseio medonho e mortal em sua alma para o ganho monetário de altos cifrões, do qual você não é capaz de se livrar, a vida de estudos não lhe vai servir de nada.
E é precisamente aqui que entram as considerações morais nos estudos. O intelectual também não quer ser um nobre, um homem de ação que combate a injustiça e favorece o bem e os mais fracos em algum ofício privado ou público.
Ele olha tudo isso acha que tudo é muito bom, mas não tão interessante ao ponto de ser a sua vida. Seu amor está em outro lugar, em todo o lugar, na realidade, no que é. Ele ama o que é e quer saber o que o que é, é; e, mais ainda, quer poder dizê-lo, expressá-lo a quem tiver ouvidos para ouvir: por fim, quer ouvir o que outras pessoas que amam o que é têm a dizer. Essas, e apenas essas singelas atividades o deleitam até o profundo do coração.
Assim sendo, é só na medida em que impulsiona esse tipo de vida que a moral humana interessa a esse homem. Não espanta que os intelectuais muitas vezes demonstrem certo amoralismo: seu coração não está tanto nas ações quanto na contemplação do espetáculo do ser.
No entanto, o amoralismo é quase sempre a sua queda pessoal, é claro. O intelectual não está para além do bem e do mal só porque alcançou um entendimento acima da média sobre algum assunto.
A verdade é o que quase toda a filosofia antiga exaltava como a vida mais perfeita: aquela em que as virtudes morais servem de suporte às virtudes intelectuais da pura contemplação e da sabedoria ordenadora.
Assim, é perdoável se as virtudes morais, num estudioso, não chegam à máxima floração; se ele não é o mais corajoso nem o mais temperante, não obstante não possa descuidar desses aspectos. O de que não pode descuidar em absoluto é do cultivo interior, das ideias claras, do pensamento reto, do estudo esforçado e minucioso, da meditação constante e profunda, do amor à criação e ao criador. E não pode deixar de levantar a cada nova constatação da fragilidade da vontade e da inteligência. O desespero é a tentação do que muito reflete. Como dizia aquele antigo filósofo e profeta: penso, logo desisto.
Seja como for, aqui voltamos ao início. De comum, paga-se o luxo de ter uma vida interior rica com certa penúria exterior. Antigamente, a maioria das pessoas vivia na mais esplêndida pobreza, e ninguém sentia muito por isso. Como hoje o padrão de vida aumentou consideravelmente, sente-se agudamente o ver a grama do vizinho verde, e o nosso quintal de chão batido.
Mas tudo isso são apenas imagens que entretemos na mente por fraqueza de espírito. Nada disso é realidade verdadeira. Ou nos deixamos enganar por algum instigador da vaidade e da inveja, ou não avaliamos bem, pois vive-se melhor, mesmo na classe baixa, do que muito príncipe medieval.
E nada disso é dizer que um intelectual não pode ganhar uma boa bolada em dinheiro. Ocorre que não é isso que ele está buscando; isso só pode vir-lhe por acréscimo. E, se vier, vem bem. Se não vier, amém.